Experiência e tradição : medicina, história natural e o teatro da natureza no Brasil holandês

Abstract

Resumo: Os pesquisadores costumam descrever as investigações em medicina e história natural de Willem Piso e Georg Marcgraf, empreendidas durante os breves anos do domínio neerlandês no Nordeste brasileiro, como o primeiro levantamento abrangente, científica e empiricamente orientados da biota, ambiente e enfermidades do Brasil. Durante os seus anos na colônia, o físico e o astrônomo e historiador natural teriam estudado a natureza e as doenças locais tendo como princípio a experiência e a observação cuidadosa, valorizando a precisão nas descrições, o escrutínio da anatomia dos seres e a ênfase na utilidade das coisas - características consideradas representativas das mudanças epistemológicas que passaram a nortear a obtenção do conhecimento na Era Moderna. Em Experiência e tradição, essa abordagem é ampliada, demonstrando que as autoridades clássicas e o heterogêneo e resiliente universo de ideias, teorias e concepções herdados dos textos do passado influenciaram fortemente a maneira que os dois apreenderam a realidade do Novo Mundo e o conhecimento recebido dos nativos. Os escritos das autoridades antigas serviram como modelos a serem seguidos, como estímulo e guias por meio dos quais interpretaram-se informações e organizaram-se todo o material coletado em um território distante. Os filósofos clássicos foram vistos como exemplos a serem seguidos e emulados, ou como uma baliza através da qual era possível aos investigadores mensurar suas realizações. Eventualmente, Piso e outros autores também acreditavam que estavam somente aperfeiçoando, corrigindo ou expandindo o conhecimento dos clássicos. Por fim, o trabalho aborda como numerosos elementos religiosos também estiveram profundamente envolvidos na investigação e compreensão da natureza. O trabalho sugere que, ao analisarmos os escritos de Marcgraf, Piso e muitos outros de seus contemporâneos, encontramos um cenário mais de conciliação e acomodação do que de ruptura com a leitura dos textos bíblicos e clássicos

Abstract: Researchers often describe the medical and natural history investigations of Willem Piso and Georg Marcgraf undertaken during the brief years of Dutch govern in Northeastern Brazil as the first comprehensive survey, scientifically and empirically oriented on biota, environment, and diseases of Brazil. During their years in the colony, Piso and Marcgraf would have studied the nature and local diseases on the basis of experience and careful observation, valuing accuracy in descriptions, scrutiny of the anatomy of animals, and emphasis on utility of things - characteristics considered representative of the epistemological changes that came to guide the attainment of knowledge in the Modern Era. In Experience and Tradition, this approach is amplified, demonstrating that the classical authorities and the heterogeneous and resilient universe of ideas, theories, and conceptions inherited from the texts of the past strongly influenced the way that Piso and Marcgraf grasped the reality of the New World and the knowledge received from the Brazilian Indians. The writings of the ancient authorities served as models to be followed as stimulus and guides through which they interpreted information and organized all the material collected in a distant territory. Classical philosophers were seen as examples to be followed and emulated, or as a reference to measure their achievements. Eventually, Piso and other authors also believed that they were only perfecting, correcting, or expanding the knowledge from the classics. Finally, the paper discusses how numerous religious elements played a major role in the investigation and understanding of nature. The work suggests that in analyzing the writings of Marcgraf, Piso, and many others of his contemporaries, we find a scenario of conciliation and accommodation, more than of rupture with the reading of biblical and classic texts