As relações entre violência de gênero, direito sexuais e feminicídio nas narrativas processuais do poder judiciário : uma etnografia documental

Abstract

Resumo: Em 2022, o Brasil bateu um triste recorde: 1,4 mulheres foram vítimas de feminicídio, ou seja, uma mulher é morta a cada seis horas apenas pelo fato de ser mulher, de acordo com dados do Monitor da Violência (G1, 2023). Em 2015, o Brasil, através da Lei 13.104/2015, alterou o Código Penal, a fim de tornar o feminicídio uma qualificadora do crime de homicídio, sendo, portanto, submetido ao Tribunal do Júri. Em que pese tal alteração legal é evidente que tal lei não foi suficiente para diminuir os números de feminicídios. Surge daí a importância do tema estudado, não somente no âmbito do Direito, mas também em outras áreas, dentre elas a Administração. A presente pesquisa trata-se de uma etnografia documental realizada sobre processos de femicídio de uma Vara Tribunal do Júri do Estado do Paraná no ano de 2022, buscando compreender as relações entre violência de gênero e direitos sexuais nas narrativas processuais sobre feminicídio em uma organização judiciária do Estado do Paraná. Para abordar a questão são contextualizadas a violência de gênero e a violência sexual sob a perspectiva de gênero, sob a ótica de Helleith Saffioti, bem como a conceituação e historicização do feminicídio e legislação nacional sobre violência contra a mulher, passando-se, em seguida, à análise dos dados levantados dos processos estudados, especialmente os dados sociodemográficos de vítima e agressor e dados sobre o crime (dias da semana, horário, instumentos utilizados, motivos, etc.). Após levantamento dos dados percebeu-se que os crimes cometidos tinham como demarcadores de violência de gênero o tipo de lesão (em sua grande maioria na cabeça e rosto da vítima), a motivação em razão de ciúmes e traição e o não uso correto do nome social da vítima mulher trans. A violência sexual veio demonstrada pela não aceitação do trabalho sexual da vítima, não aceitação da gravidez da vítima e a tentativa de ocultar estupros. Por fim, em sede de considerações finais e a partir dos dados levantados na pesquisa, destaca-se: todos os casos estudados se traduziram em crimes de ódio, o que se amolda ao tipo penal e como o feminicídio, violência de gênero e direitos sexuais se entrelaçam entre si e a depender do momento, cada um deles exerce uma força específica, ora maior, ora menor tudo com o fito de fazer com que o modelo já implementado se mantenha (patriarcado), incidindo sobre as mulheres, na nossa autodeterminação e autonomia. Vivemos, ainda, em um estado estruturado pelo racismo e seximo e é isso que irá determinar como as mulheres, de forma interseccional, irão experimentar suas vidas ou suas mortes

Abstract: In 2022, Brazil broke a sad record: 1.4 women were victims of femicide. According to data from the Violence Monitor, one woman is killed every six hours and was killed just because she was a woman (G1, 2023). In 2015, Brazil, through Law 13.104/2015, amended the Penal Code in order to make femicide a qualifier of the crime of homicide, therefore being submitted to the Jury Court. Despite this legal change, it is clear that this law was not enoug to reduce the number of femicides. Hence, the importance of the subject studied arises, not only in the scope of Law, but also in other areas, among them Administration. The present research is a documentary ethnography carried out on femicide processes of a Jury Court of the State of Paraná in the year 2022 in which it sought to understand the relationships between gender violence and sexual rights in the procedural narratives about feminicide in an organization court of the State of Paraná. To address the issue, gender violence and sexual violence are contextualized from a gender perspective, from the perspective of Helleith Saffioti, as well as the conceptualization and historicization of femicide and national legislation on violence against women, then , to the analysis of the data collected from the processes studied, especially the socio-demographic data of the victim and aggressor and data about the crime (days of the week, time of day, instruments used, motives, etc.). After collecting the data, it was noticed that the crimes committed had as demarcators of gender violence the type of injury (mostly made on the head and face of the victim), the motivation due to jealousy and betrayal and the non-correct use of the victim's social name trans woman. Sexual violence, in turn, was demonstrated by the non-acceptance of the victim's sex work, non-acceptance of the victim's pregnancy and the attempt to hide rapes. Finally, in terms of final considerations and based on the data collected in the research, it is highlighted: all the cases studied were translated into hate crimes, what fits the criminal type and how femicide, gender violence and sexual rights intertwine with each other and depending on the moment, each one of them exerts a specific force, sometimes greater, sometimes smaller, all with the aim of keeping the model already implemented (patriarchy), focusing on women, in our self-determination and autonomy. We still live in a state structured by racism and sex and this is what will determine how women, intersectionally, will experience their lives or their deaths