Do lar ao campo de concentração : a discursivização do holocausto pelas vozes de mulheres sobreviventes

Abstract

A partir de 1933, com a ascensão do governo autoritário, racista e eugenista de Adolf Hitler, a vida de todos os judeus europeus mudou radicalmente. O catastrófico evento histórico, conhecido como Holocausto ou Shoah, foi planejado e executado pelos nazistas e culminou na morte de mais de seis milhões de judeus e de outros milhões de não judeus. Sabendo que as lentes da ciência, ao construírem conhecimento sobre eventos como esses, focalizam principalmente as vivências masculinas e aquilo que os homens têm a dizer, buscou-se nesta dissertação, como um ato de resistência, ir na contramão dessa estrutura e analisar a discursivização do Holocausto a partir daquilo que as mulheres sobreviventes dizem sobre as suas próprias vivências. Ademais, tendo em vista a crescente em que se encontra a extrema-direita no cenário político mundial, esta pesquisa se justifica também pela necessidade de debater sobre as causas e as consequências de regimes totalitários, a fim de diminuir a força desses discursos pelo mundo, para que eventos como esse não voltem a destruir democracias nem a matar minorias. Nesse viés, considerando a indissolúvel relação existente entre língua(gem), sujeito e história, esta pesquisa investiga enunciados de mulheres sobreviventes do Holocausto, buscando responder a seguinte pergunta-problema: como as mulheres judias sobreviventes valoram as suas vivências, que foram determinadas pela ótica vigente do sistema patriarcal, no cronotopo bélico-nazista? A partir desse questionamento, o objetivo geral deste trabalho é identificar as ideologias presentes nos enunciados das mulheres sobreviventes para analisar como as suas experiências e papeis sociais naquele cronotopo de guerra e violência são discursivizados e (re)valorados no decorrer de suas histórias de vida. Para tanto, selecionou-se como corpus de análise 18 relatos de vida de mulheres judias sobreviventes da Shoah, que vieram ao Brasil para recomeçarem suas vidas longe do antissemitismo europeu. Inserida no escopo dos Estudos do Texto e do Discurso, o referencial teórico-metodológico que embasa esta pesquisa é a teoria sócio-histórico-dialógica do Círculo de Bakhtin, bem como os estudos de seus caudatários brasileiros que, em diálogo com os teóricos russos, propõem uma nova vertente de análise discursiva: a Análise Dialógica do Discurso. Como resultado, apresenta-se que as mulheres judias sobreviventes, enquanto sujeitos singulares e sociais, valoram o cronotopo bélico-nazista e as suas vivências nesse tempo-espaço a partir de diversas vozes sociais que as constituem, como as do patriarcado, as da religião e as de resistência. Além disso, observou-se que, no desenrolar dos acontecimentos relatados, os papeis sociais dessas mulheres foram sendo reconfigurados e revalorados dentro da nova organização social que se instaurara na Europa dominada pelos nazistas. Com esta pesquisa, espera-se poder contribuir para a construção de um novo olhar sobre o cronotopo bélico-nazista e, mais especificamente, sobre a própria história das mulheres no desenrolar de acontecimentos históricos, história essa que foi por muito tempo silenciada.

From 1933 onwards, with the rise of the authoritarian, racist and eugenicist government of Adolf Hitler, the life of all European Jews changed radically. The catastrophic historical event, known as the Holocaust or Shoah, was planned and executed by the Nazis and led to the deaths of more than six million Jews and millions of non-Jews. It is known that when the knowledge about events like these was built, the lenses of science mainly emphasized on male experiences and on what men had to say. In this dissertation, as an act of resistance, was sought to go against this structure and analyze the Holocaust discourse based on what the women survivors say about their own experiences. Furthermore, considering the growing position of the extreme right in the world political scenario, this research is also justified by the need to debate the causes and consequences of totalitarian regimes, with the objective of reducing the strength of these discourses around the world, so that events like this do not come back to destroy democracies or kill minorities. In this bias, pondering the indissoluble relationship between language, subject and history, this research investigates utterances by women survivors of the Holocaust, seeking to answer the following question: how Jewish women survivors value their experiences, which were determined by the perspective of the patriarchal system, in the warlike-Nazi chronotope? Based on this questioning, the general aim of this paper is to identify the ideologies present in the statements of the surviving women to analyze how their experiences and social roles in that chronotope of war and violence are discussed and (re)valued in the course of their life stories. For this purpose, 18 life stories of Jewish women survivors of the Shoah were selected as the corpus of analysis, who came to Brazil to restart their lives away from European anti-Semitism. Inserted within the scope of Text Studies and Discourse, the theoretical-methodological framework that motivates this research is the socio-historical-dialogical theory of the Bakhtin Circle, even as the studies of its Brazilian followers who, in dialogue with Russian theorists, propose a new aspect of discursive analysis: the Dialogical Discourse Analysis. As a result, it appears that surviving Jewish women, as unique and social subjects, value the warlike-Nazi chronotope and their experiences in that time-space from the various social voices that constitute them, such as those of patriarchy, religion and resistance. In addition, it has been noticed that in the course of the reported events, the social roles of these women were being reconfigured and revalued within the new social organization that had been established in Europe dominated by the Nazis. With this research, it is expected to contribute to the construction of a new perspective at the warlike-Nazi chronotope and, notedly, at the very history of women in the course of historical events, a history that had been silenced for a long time.