Miragens femininas e feministas do pensar : experiências do mesmo e do fora em uma análise do discurso literário infantil e juvenil

Abstract

Este trabalho sobre linguagem elabora uma análise discursiva, sob o procedimento arqueogenealógico da Análise do Discurso, a partir dos postulados de Michel Foucault, em conjunto com a teoria feminista, mais especificamente, interseccional, negra, decolonial, giro afetivo e gorda e a própria teoria foucaultiana acerca da ficção literária. O corpus do nosso trabalho é composto por três obras: Bisa Bia, Bisa Bel (1981), de Ana Maria Machado; A fofa do Terceiro Andar (2015), de Cleo Busatto e A Cor da Ternura (1989), de Geni Guimarães. O objetivo é, então, analisar as experiências de pensamento e seus efeitos de sentido do Mesmo e do Fora - experiências de linguagem - constituindo subjetividades no discurso literário infantojuvenil contemporâneo, em dizeres sobre e do infante-jovem e sobre e do feminino-feminista, a partir da construção política, ética e estética das personagens protagonistas. A tese é a de que, ao constituir discursivamente subjetividades, a literatura infantil e juvenil não pretende, em seu próprio ser de linguagem transgressiva, fazê-lo em nome da normalização e do controle, mas, ao assumir os saberes e os poderes, a literatura enquanto discurso da ficção possibilita a problematização do pensamento e da vida e a constituição de singularidades por experiências advindas do Fora e no fazer discursivo tecido no/sobre as experiências de pensamento das personagens, produzindo efeitos de sentido do Mesmo e do Outro na construção política, ética e estética das subjetividades. Dentro desses delineamentos, trabalhamos, no capítulo 2, a compreensão do que é pensar no jogo exterioridade, fora e Fora na teoria foucaultiana e a relação do pensamento com o discurso literário da ficção, também nas postulações de Maurice Blanchot. Tendo chegado à problematização do pensamento como prática discursiva ensejada pelo distanciamento da linguagem promovido pela literatura, buscamos compreender o que é a literatura em Foucault na primeira fase dos seus escritos. Movemos, pois, conceitos como murmúrio, transgressão, limites, loucura e Fora. No terceiro capítulo, introduzimos as teorias feministas para análise de construção de sujeitos a partir das categorias de gênero, raça e classe e definimos nossa "caixa de ferramentas" para análise discursiva: discurso, enunciado e sujeito. Assim, procedemos arqueogenealogicamente na descrição das regularidades na dispersão que formam a menoridade do feminino e do feminista nas experiências de pensamento das meninas, objeto deste trabalho. A questão da menoridade do discurso infanto juvenil é desenvolvida a partir das discussões de Deleuze e Guattari (2015) sobre a Literatura Menor. No capítulo 4, articulamos o cuidado de si no intuito de analisarmos os processos de subjetivação e experiências do Fora no pensamento das personagens. Também recorremos a alguns aspectos do "giro afetivo", de teoria feminista, tendo em vista que as experiências das meninas engendram experiências de sentimento. Desenvolvemos, ainda, o conceito de miragens, entendido como possibilidades de modos de vida projetados, na ordem dos signos, enquanto fenômeno verdadeiro (exterior), mas de imagens irreais (Fora). Pudemos descrever, enfim, as intrusões das verdades vindas do exterior nas experiências de pensamento das meninas, fazendo-as experienciar a si mesmas dentro da lógica da fragilidade, do racismo e do ódio ao corpo gordo. Descrevemos, porém, movimentos de pensamentos encontrando a força entre o falar e ver e se alongando na medida que a linguagem literária também se alonga para além dos limites. Assim, movimentos em direção a miragens vindas do Fora também compõem o pensamento das meninas, sob verdades mais libertárias, praticadas pelo direito de ser e sentir.

This paper analyzes discursively, using the archaeological-genealogical approaches from the Discourse Analysis, based on Michel Foucault studies, as well as the feminist theory (specifically intersectional, black, decolonial, affective turn and fat studies) in order to explore Foucault's own theory regarding literary fiction. The corpus consists in three books: Bisa Bia, Bisa Bel (1981), English version: Me in the Middle, by Ana Maria Machado; A Fofa do Terceiro Andar (2015), by Cleo Busatto and A Cor da Ternura (1989), English version: The Color of Tenderness, by Geni Guimarães. The objective is to analyze the experiences of thought and their effects of meaning related to the Self and the Other -language experiences - shaping subjectivities in the contemporary young adult literary discourse, in dialogues about and from the child-youth and about and from the feminine-feminist, based on the political, ethical, and aesthetic construction of the main characters. The thesis is that, by discursively producing subjectivities, children's and young adult literature do not intend, in their own way as transgressive languages, to cause those subjectivities to be normalized and controlled. Instead, by taking on knowledge and power, the literature as a discourse of fiction enables the discussion of thought and life, and the creation of singularities through experiences from the Outside and within the discursive act presented in/about the character's thought experiences. This brings meaning effects of the Self and the Other in the political, ethical, and aesthetic construction of subjectivities. In the second chapter we explore the understanding of what it means to think in the context of exteriority, the outside, and The Outside in Foucault's theory and the relationship between thought and the literary discourse in fiction, based on Maurice Blanchot's theories. After discussing the thought as a discursive practice prompted by the distancing of language in fiction, we also seek to understand what literature represents in Foucault's early writings. Consequently, we explore concepts such as: murmuring, transgression, boundaries, madness, and The Outside. In the third chapter, we introduce feminist theories to analyze the construction of subjects based on gender, race, and class and define our "toolbox" for discursive analysis: discourse, enunciation, and subject. We then proceed to describe the regularities which shape the minority position of the feminine and the feminist in the thought experiences of the girls in archaeological-genealogical ways. The issue of the minority in young adult discourse is developed based on the discussions by Deleuze and Guattari (2015) in Minor Literature. In the fourth chapter, we articulate the Care of the Self with the purpose of analyzing processes of subjectivity and experiences of the Outside in the thoughts of the characters. We also studied aspects of the "affective turn" in the feminist theory, considering that the girls' involvement evokes feeling experiences. Moreover, we develop the concept of Mirages, known as the possibilities of projected lifestyles, in the order of language, a true aspect (Exteriority) but with unreal images (Outside). Finally, we were able to describe the interferences of truths from the outside into the thought experiences of the girls, causing them to observe themselves with lenses of fragility, racism, and body shaming. However, we also describe thought experiences finding strength between speaking and seeing, and, as literary language extends, this continues beyond the limits. Thus, these movements toward mirages from The Outside also shape the thoughts of the girls, adopting more libertarian truths, to have the right to be and to feel.