O jogo entre paráfrase e polissemia no entrecruzamento da memória cinematográfica e a memória das histórias em quadrinhos em Clássicos do Cinema Turma da Mônica

Abstract

Somos expostos constantemente a uma infinidade de textos que circulam a nossa volta. Tais textos aparecem para nós de diversas maneiras e em diferentes suportes. Podem ser escritos, imagéticos ou a junção de ambas materialidades, a verbal e a visual. Nesse sentido, voltamos nosso olhar para uma coleção intitulada Clássicos do Cinema Turma da Mônica, justamente porque esse material coloca em questão muitos aspectos ligados à leitura a partir da mobilização de conceitos discursivos. Diante disso, para compreendermos os sentidos em funcionamento nessa coleção que (re)significa filmes clássicos, apresentando-os para o público criança, ancoramo-nos na perspectiva da Análise de Discurso (AD) pecheutiana. Nesse campo teórico, de acordo com Eni Orlandi (1999), o objetivo do estudo é o discurso, e o interesse do analista é o de estudar o uso e o funcionamento da língua para produção de sentidos. Ademais, a AD leva em conta o sujeito do discurso e a língua em suas concretudes, e não enquanto sistemas abstratos, isto é, remete ao posicionamento do sujeito do discurso, considerando os processos e as condições por meio dos quais os sentidos são produzidos. Assim, o texto, pelo viés discursivo, é tomado como discurso e como discurso toda e qualquer materialidade se produz na relação com outros discursos já produzidos em algum momento da história. Logo, o discurso nunca é inaugural, ele está sempre no repetível do dizível. Isso posto, objetivamos compreender, em termos de produção de um efeito-leitor, a composição material da obra Clássicos do Cinema da Turma da Mônica, com base no jogo parafrástico e polissêmico quando ocorre a passagem do filme clássico para as condições de produção da História em Quadrinho (HQ). A fim de tematizar os efeitos-leitores na materialidade dos quadrinhos de Mauricio de Sousa, selecionamos, dentre os 70 exemplares da coleção Clássicos do Cinema que retomam filmes considerados clássicos, somente 3 histórias, a saber: Titônica, O Burrico de Troia e O Galodiador. A justificativa que motivou esta pesquisa, a princípio, foi de cunho afetivo, contudo, ao debruçarmos sobre o objeto, percebemos que se tratava de um rico material para observarmos o movimento parafrástico e polissêmico e pensarmos o efeito-leitor produzido nessa coleção. Além disso, a escolha de tais títulos diz respeito ao fato de serem obras que se relacionam a fatos/acontecimentos históricos. Em vista da materialidade, do tema e dos objetivos, norteamo-nos pela pergunta: como se dá a movência de sentidos no gibi Clássicos do Cinema Turma da Mônica, pelo/no trabalho da memória em meio ao deslizamento do filme para a HQ? Para tanto, mobilizamos o conceito de paráfrase e polissemia, condições de produção e memória discursiva, pois tais noções são primordiais para compreendermos os deslizes de sentidos quando a HQ retoma os filmes clássicos. Desse modo, no entrecruzar de uma memória histórica, de uma memória fílmica e de uma memória dos quadrinhos, os deslizes são possíveis na HQ Clássicos do Cinema. A movência se marca nos quadrinhos de Mauricio de Sousa no/pelo jogo de palavras/substituição de um elemento imagético por outro, pelo silenciamento/apagamento de sentidos tidos como negativos ou impróprios para o público-infantil. Assim, a HQ, ao trazer o universo do cinema para as crianças, faz o ressignificar pelas condições de leitura dos gibis, produzindo a deriva, o novo. Esse deslize de uma formação discursiva do cinema para a formação discursiva da HQ faz irromper o riso, bem como movimenta os sentidos em meio a um brincar com as palavras e imagens inscritas na memória, cruzando duas artes: a do cinema e a dos quadrinhos. A HQ, ao inscrever seu discurso na formação discursiva da infância, silencia ou faz deslizar sentidos de violência, sexo e morte, isto é, temas considerados tabus, produzindo um efeito comicidade que torna a HQ leve e divertida. Justamente esse efeito comicidade remonta a memória do dizer de que a brincadeira e a diversão são constitutivas da infância.

We are constantly exposed to an infinite number of texts circulating around us. These texts appear to us in different ways and on different media. They can be written, imagery or a combination of both verbal and visual material. In this sense, we turned our attention to a collection entitled Turma da Mônica's Cinema Classics, precisely because this material calls into question many aspects linked to reading through the mobilization of discursive concepts. In order to understand the meanings at work in this collection, which (re)signifies classic films by presenting them to children, we have anchored ourselves in the perspective of Pecheutian Discourse Analysis (DA). In this theoretical field, according to Eni Orlandi (1999), the objective of the study is discourse, and the analyst's interest is to study the use and functioning of language to produce meanings. In addition, DA takes into account the subject of discourse and language in their concreteness, and not as abstract systems, i.e. it refers to the positioning of the subject of discourse, considering the processes and conditions through which meanings are produced. Thus, the text, from a discursive point of view, is taken as a discourse and as a discourse any and all materiality is produced in relation to other discourses already produced at some point in history. Therefore, discourse is never inaugural, it is always in the repeatable of the sayable. That said, our aim is to understand, in terms of the production of a reader-effect, the material composition of Turma da Mônica's movie Classics, based on the paraphrastic and polysemic play when the classic movie transitions into the production conditions of the comic book. In order to thematize the reader-effects in the materiality of Mauricio de Sousa's comics, we selected only 3 stories from the 70 copies of the Classics of Cinema collection that revisit films considered classics: Titonica, The Trojan Horse and Galodiador. The justification behind this research, at first, was of an emotion nature. However, as we looked at the object, we realized that was a rich material for observing the paraphrastic and polysemic movement and thinking about the reader-effect produced in this collection. In addition, the choice of these titles is due to the fact that they are works that relate to historical events. In view of the materiality, the theme and the objectives, we are guided by the question: how does the movement of meanings take place in the comic book Classics of the Monica's Gang Cinema, through the work of memory in the midst of the slippage from the film to the comic book? To do this, we mobilized the concept of paraphrase and polysemy, conditions of production and discursive memory, as these notions are essential to understanding the slippages of meanings when the comic book takes up classic films. In this way, in the intertwining of a historical memory, a filmic memory and a comic book memory, slippages are possible in the Classics of Cinema comic book. The movement is marked in Mauricio de Sousa's comics in/by the play on words/substitution of one imagery element for another, by the silencing/deletion of meanings seen as negative or inappropriate for children. Thus, by bringing the universe of cinema to children, the comic book reframes it according to the reading conditions of comic books, producing the new by drifting. This slide from the discursive formation of cinema to the discursive formation of comics makes laughter erupt and moves the meanings in the midst of playing with words and images inscribed in memory, crossing two arts: cinema and comics. By inscribing its discourse in the discursive formation of childhood, the comic silences or displaces the meanings of violence, sex and death, i.e. topics considered taboo, producing a comical effect that makes the comic light and fun. It is precisely this comicality effect that goes back to the memory of the saying that play and fun are constitutive of childhood.