A jornada do anti-herói : como Caliban se tornou símbolo contra a opressão

Abstract

Resumo: O presente estudo resgata, a partir da história de Caliban, escravo disforme de A Tempestade (1611), de Shakespeare, pormenores da construção da identidade de povos colonizados. Para tanto, seguindo-se um percurso teórico, analisaram-se as nuances do binômio "personagemconceito" (Deleuze; Guattari, 1993) e o uso da mitologia na formação dos personagens de ficção (Lévi-Strauss, 1989, 2004, 2008; Paz, 1984, 1994). Também foram lidos os quatro ensaios de Northrop Frye em A anatomia da crítica (1973) para esboçar os arquétipos, os símbolos e o percurso histórico do mito até seu enfoque humano. Tal percurso (modal, de acordo com Frye) é acrescido de teorias sobre a adaptação, principalmente as de Retamar (1971, 2004) e as de Hutcheon (1985, 2013). Ainda neste enfoque, foram utilizadas as pesquisas de Bonnici (2005), Umberto Eco (2003), Borges (1985, 1996, 1998), Bhabha (1998) e Appiah (2014) para explicar questões ligadas à reescrita e à releitura. O movimento ambivalente de ruptura e reinterpretação do cânone foi acrescido de duas exposições de cunho histórico: uma linha do tempo sobre a discussão entre universalismo e relativismo cultural, bem como um esboço da criação e do florescimento da Negritude e da Teoria da identidade africana, com nomes como Césaire (2969, 1979) e Diop (1974). Por fim, no capítulo destinado a Caliban, encontram-se as versões de Browning (1864), Renan (1878, 1888), Guéhenno (1928), Dário (1998), Rodó (2005), Lamming (1960) e Kamau Bratwhaite (1969). A proposta de leitura comparada de tais versões é movida pelo percurso teórico sobre a formação e o movimento do personagem, bem como pela compreensão dos momentos históricos em questão e de suas motivações sócio-políticas. Em tempo, adotou-se o discurso de Fanon (1952, 2008) em contraponto às teorias psicanalíticas racistas de Mannoni (1950). Essas páginas pretendem jogar luz às complexidades da identidade, da colonização, da adaptação literária, todas pelas lentes do enigmático personagem shakespeariano Caliban.

Abstract: This study aims to explore the construction of identity among colonized peoples through the character of Caliban, the deformed slave in Shakespeare's play The Tempest (1611). By taking a theoretical approach, there were applied shadings into the binomial "concept persona" (Deleuze; Guattari, 1993) as well as the use of mythology in shaping fictional characters (Lévi- Strauss, 1989, 2004, 2008; Paz, 1984, 1994). Additionally, there were drawn insights from Northrop Frye's four essays in Anatomy of Criticism (1973) to outline archetypes, symbols, and the historical trajectory of the myth as it intersects with human experience. This Journey (referred to as "modal" by Frye) is further enriched by theories of adaptation, particularly those proposed by Retamar (1971, 2004) and Hutcheon (1985, 2013). Within this framework, there has also been a call upon the works of Bonnici (2005), Umberto Eco (2003), Borges (1985, 1996, 1998), Bhabha (1998) and Appiah (2014) to explore issues related to rewriting and reinterpretation. The ambivalent movement of rupturing and reinterpreting the canon was contextualized by two historical exposés: a timeline discussing the tension between cultural universalism and relativism, as well as an overview of the emergence and flourishing of Negritude and African identity theory with names such as Césaire (2969, 1979) and Diop (1974). Finally, in the chapter dedicated to Caliban, there arose various interpretations offered by Browning (1864), Renan (1878, 1888), Guéhenno (1928), Dário (1998), Rodó (2005), Lamming (1960), and Kamau Bratwhaite (1969). The comparative reading of these versions was guided by the theoretical exploration of character formation and movement, as well as na understanding of the socio-political motivations within the historical contexts. At last, this research adopted Fanon's discourse (1952, 2008) against the psychoanalystic racist theories of Mannoni (1950). These pages promise to shed light on the complexities of identity, colonization, and literary adaptation, all through the lens of Shakespeare's enigmatic character, Caliban.