Influência dos fenilpropanoides sobre a digestibilidade da biomassa lignocelulósica de gramíneas : impactos sobre a produção de etanol celulósico

Abstract

RESUMO: INTRODUÇÃO E OBJETIVOS – A biomassa lignocelulósica desponta como uma fonte abundante e sustentável de energia capaz de substituir o petróleo na produção de combustíveis líquidos em um horizonte razoável de desenvolvimento tecnológico. Neste contexto, a conversão enzimática dos polissacarídeos em açúcares fermentescíveis se destaca como uma tecnologia em fase avançada, já em uso em algumas usinas espalhadas ao redor do mundo. Além da produção de biocombustíveis, a biomassa lignocelulósica já é empregada há milhares de anos na produção de papel, celulose e na nutrição animal. As gramíneas são as principais commodities agrícolas mundiais e a principal fonte de biomassa para a produção de bioetanol e apresentam altos níveis de ácido ferúlico na parede celular. Assim, iniciamos a dissertação realizando uma revisão bibliográfica sobre a importância do ácido ferúlico na recalcitrância da parede celular à hidrólise (Oliveira et al., 2015). Diversos trabalhos reportam que a redução no conteúdo de ácido ferúlico esterificado à parede celular promove a sacarificação, em muitos casos, sem alterações no teor de lignina. Entretanto, a recalcitrância à digestão enzimática é um fenômeno multifatorial e o conteúdo de lignina influi fortemente sobre a digestibilidade. Assim, a fim de avaliar o impacto dos diferentes fenilpropanoides sobre a digestibilidade das gramíneas, selecionamos nove gramíneas forrageiras com alta produtividade e potencial para a produção de bioetanol, determinamos o teor de lignina, ácidos hidroxicinâmicos: ácidos ferúlico e p-cumárico; aldeídos fenólicos: vanilina e p-hidroxibenzaldeído; e correlacionamos com a digestibilidade da biomassa lignocelulósica. MÉTODOS – Nove gramíneas forrageiras foram avaliadas neste estudo: dois cultivares de Cynodon dactylon (cv. Tifton 85 e Coastcross), um cultivar de Urochloa decumbens (formalmente Brachiaria decumbens cv. Basilisk), dois cultivares de U. brizantha (formalmente Brachiaria brizantha cv. Marandu e Piatã), dois cultivares de Megathyrsus maximus (formalmente Panicum maximum cv. Mombaça e Tanzânia) e dois cultivares de Pennisetum purpureum (cv. Napier and Pioneiro). Hastes com folhas foram coletadas, secadas a 60 °C por 48 h e pulverizadas em moinho de bolas. A biomassa seca foi submetida a extração com etanol 80% (v/v) e os níveis de compostos aromáticos e proteínas foram determinados do sobrenadante. O resíduo insolúvel em álcool (AIR) foi utilizado nos procedimentos seguintes. A sacarificação foi determinada aplicando o extrato liofilizado de Aspergillus niveus contendo atividades xilanase e celulase. Fenólicos ligados a parede celular foram extraídos por saponificação com NaOH e analisados por cromatografia líquida de alta eficiência (CLAE). O AIR foi submetido ao pré-tratamento com NaOH 0,25 M a 130 °C por 40 min. O teor de lignina foi determinado e a caracterização qualitativa da lignocelulose foi avaliada antes e depois do pré-tratamento por espectroscopia de FTIR e RAMAN. As análises de correlações foram realizadas para obter a significância (P ? 0,05), intensidade e direção das interrelações entre as características das biomassas utilizando o coeficiente de correlação de Pearson. Desta forma, painéis correlacionando as características da parede celular e a liberação de açúcares foram organizados para identificar os principais fatores limitantes para a hidrólise enzimática. RESULTADOS E DISCUSSÃO – O conteúdo de lignina foi negativa e fortemente correlacionada à sacarificação enzimática nos diferentes cultivares avaliados. O conteúdo de ácido ferúlico foi inversamente correlacionado ao conteúdo de lignina nas diferentes forrageiras, sugerindo uma relação recíproca entre estes componentes na arquitetura da parede celular tipo II. Os conteúdos de ácido ferúlico e vanilina foram positivamente correlacionados com a digestibilidade, enquanto os conteúdos de ácido p-cumárico e p-hidroxibenzaldeído não apresentaram correlação com a digestibilidade. O papel destes aldeídos fenólicos na parede celular não é conhecido. Entretanto, seus conteúdos não se correlacionaram positivamente nem com o teor de lignina nem com os dos ácidos hidroxicinâmicos. Isto sugere fortemente que estes aldeídos não são produtos de degradação destes fenilpropanoides. Os ácidos ferúlico e p- cumárico apresentaram correlação negativa com a lignina e correlação positiva com a digestibilidade, mostrando que não foram limitantes para a digestibilidade. Ao contrário, a lignina apresentou forte correlação negativa com a digestibilidade. O pré-tratamento removeu aproximadamente metade da lignina das amostras, aumentando fortemente a sacarificação. As análises por FTIR confirmaram a redução de lignina e indicaram que o pré-tratamento removeu hemicelulose e aumentou a celulose amorfa. CONCLUSÕES – O conteúdo de lignina foi o principal fator limitante para a sacarificação dos polissacarídeos da parede celular. A correlação fraca entre os aldeídos fenólicos e os hidroxicinamatos e suas correlações com a lignina sugere que vanilina e p-hidroxibenzaldeído podem ser componentes legítimos da parede celular tipo II. O pré-tratamento alcalino brando removeu cerca de metade da lignina aumentando em até duas vezes a digestibilidade em 72 h. Os cultivares de Cynodon dactylon, Tifton-85 e Coastcross, apresentaram os menores conteúdos de lignina e os maiores potenciais para a produção de açúcares fermentescíveis entre os cultivares de gramíneas forrageiras avaliados

ABSTRACT: INTRODUCTION AND AIMS – The lignocellulosic biomass has emerged as an abundant ad sustainable source of energy that can replace petroleum in the production of liquid fuels in reasonable horizon of technological development. In this context, the enzymatic conversion f polysaccharides into fermentable sugars stands out as an advanced technology, already in se in some plants scattered around the world. Besides the production of biofuels, ignocellulosic biomass is already used for thousands of years in the production of paper, pulp nd animal nutrition. Grasses are the major agricultural commodities and the main source of iomass for production of bioethanol and present high levels of ferulic acid in the cell wall. herefore, we started our project conducting a literature review on the importance of ferulic cid in the recalcitrance of cell wall hydrolysis (Oliveira et al., 2015). Several studies report hat reduction in content of ferulic acid esterified to cell wall promotes saccharification, in many ases, without altering lignin content. However, the recalcitrance to enzymatic digestion is a ultifactorial phenomenon and lignin content impacts strongly on the digestibility. Thus, in rder to assess the impact of the different phenylpropanoids on the digestibility of grass ignocellulose, we selected nine cultivars of forage grass with high productivity, we determined he content of lignin, phenylpropanoids: ferulic acid and p-coumaric acid; and phenolic ldehydes: vanillin and p-hydroxybenzaldehyde; and correlated them with the digestibility of ignocellulosic biomass. ETHODS – Nine grasses were evaluated in this study: two cultivars of Cynodon dactylon Tifton 85 and Coastcross), one cultivar of Urochloa decumbens (formerly Brachiaria ecumbens; cv. Basilisk), two cultivars of U. brizantha (formally B. brizantha; cv. Marandu nd Piata), two cultivars Megathyrsus maximus (formally Panicum maximum cv. Mombaza and anzania) and two cultivars of Pennisetum purpureum (cv. Napier and Pioneiro). Stems with eaves were collected, dried at 60 °C for 48 h and pulverized in mill ball. Dry biomass was ubmitted to extraction with 80% ethanol (v/v) and the levels of aromatic compounds and roteins were determined in the supernatant. The alcohol insoluble residue (AIR) was used for he following procedures. Saccharification was measured applying lyophilized extract from spergillus niveus containing xylanase and cellulase activities. Cell wall-phenolic compounds ere extracted by saponification with NaOH and analyzed by high-performance liquid hromatography (HPLC). The biomass was pretreated with 0.25 M NaOH at 130 °C for 40 min. he lignin content was determined and the qualitative characterization of lignocellulose was valuated before and after pretreatment by FTIR spectroscopy. Correlation analyzes were erformed to identify the significance (P ? 0.05), intensity and direction of the nterrelationships between the characteristics of biomass using the Pearson correlation oefficient. Thus, panels correlating cell wall properties and sugar yield were organized to dentify the main limiting factors for enzymatic hydrolysis. ESULTS AND DISCUSSION – The lignin content was negative and strongly correlated to enzymatic saccharification in the different cultivars evaluated. Ferulic acid content was inversely correlated with the lignin content in different forage lignocellulose materials, suggesting a reciprocal relationship between these components in type II cell walls. Ferulic acid and vanillin contents were positively correlated with digestibility, while p-coumaric acid and p-hydroxybenzaldehyde did not present correlation with digestibility. The role of these phenolic aldehydes in the cell wall it is not known. However, their content is correlated positively neither with lignin nor with hydroxycinnamic acids content. It strongly suggests that these aldehydes are not degradation products of these phenylpropanoids. Ferulic and p-coumaric acids showed negative correlation with lignin and positive correlation with digestibility, indicating that they were not limiting to digestibility. Instead, the lignin showed a strong negative correlation with digestibility. Pretreatment removed nearly half of lignin, strongly increasing the saccharification. FTIR analysis confirmed lignin reduction and indicated that pretreatment removed hemicellulose and increased amorphous cellulose content. CONCLUSIONS - Lignin content is the main limiting factor for saccharification of cell wall polysaccharides. The weak correlations among phenolic aldehydes and hydroxycinnamates and their correlations with lignin suggest that vanillin and p-hydroxybenzaldehyde can be proper type II cell wall components. Mild alkaline pretreatment removed about half of lignin improving up to twice the digestibility in 72 h. Cynodon dactylon cultivars, Tifton 85 and Coastcross, presented the lowest lignin content and the highest potential to production of fermentable sugars among the assessed forage grass cultivars