Análise da função do ventrículo esquerdo em atletas de futebol a partir do myocardial work

Abstract

Resumo: O treinamento físico crônico pode induzir adaptações estruturais cardíacas em atletas de futebol, em resposta às demandas hemodinâmicas geradas durante o esforço físico. E para que tais adaptações caracterizem o chamado "coração de atleta", a manutenção ou melhora da função do ventrículo esquerdo (VE) tem papel essencial. O método Myocardial Work (MW) trouxe novas perspectivas para a avaliação cardiovascular em atletas por ser menos dependente de carga, em comparação a parâmetros ecocardiográficos tradicionais, como o strain longitudinal global (GLS). Entretanto, as informações sobre o MW em atletas de futebol ainda são escassas. Objetivo: Analisar a função do VE em atletas que atuam em nível profissional sub-elite de futebol, através do MW. Métodos: Este estudo transversal incluiu 101 homens com idade entre 18 e 35 anos, entre os quais 78 são atletas que atuam profissionalmente em nível sub-elite (AP) (= 10 horas de treinamento semanais) e 23 atletas recreacionais (AR) (= 3 horas semanais). Todos os participantes realizaram uma avaliação cardiovascular, composta por: exame ecocardiográfico, para análise de parâmetros estruturais e de função do VE; avaliação hemodinâmica central, com aferição da pressão arterial (PA), velocidade de onda de pulso (VOP) e Índice de incremento da onda refletida (AIx). Ainda, 30 atletas (20 AP e 10 AR) realizaram teste de esforço em esteira rolante para análise da capacidade cardiopulmonar. Os índices do MW foram obtidos por software específico, a partir de alças de pressão-deformação, construídas a partir de curvas não invasivas de pressão do VE, estimada pela pressão arterial sistólica (PAS) combinadas com deformação (GLS). Resultados: Os resultados demonstram que a estrutura do VE é semelhante entre os grupos, porém com maior dilatação nos AP (Diâmetro diastólico final – VDF, p = 0,000 e volume diastólico final – VDF, p = 0,054). Os dados relacionados aos parâmetros ecocardiográficos tradicionais foram semelhantes entre os grupos, indicando função sistólica normal. Houve diferença significante somente para o fluxo mitral avaliado na região septal (e’ septal), que foi menor nos AP (p = 0,000), no entanto os valores estão dentro da faixa de normalidade. A pressão arterial diastólica (PAD), pressão arterial média (MAP) e o AIx foram menores nos AP (p = 0,006, p = 0,011 e p = 0,030, respectivamente). Quanto ao MW, o índice de trabalho global (GWI) foi menor nos AP (p = 0,005). O trabalho construtivo global (GCW), o trabalho desperdiçado (GWW) e a eficiência de trabalho (GWE) não apresentaram diferença entre grupos. Em relação ao teste de esforço, os AP apresentaram maior consumo de oxigênio no primeiro limiar ventilatório (VO2L1 – p = 0,015) e maior velocidade (Vpico e VL1 p = 0,000 e p = 0,000, respectivamente) que os AR. Conclusão: Os resultados indicam função normal do VE, a partir da manutenção do GWE e dos parâmetros ecocardiográficos tradicionais. A diminuição do GWI parece estar relacionada às adaptações cardiovasculares associadas ao coração de atleta, não impactando na capacidade aeróbia e nem no desempenho dos atletas. O MW em repouso pode não estar relacionado a uma melhor capacidade de exercício em atletas profissionais de futebol.

Abstract: Chronic physical training can induce cardiac structural adaptations in soccer players as a physiological response to the hemodynamic demands due to physical exertion. For such adaptations to be characteristic of the "athlete's heart," the maintenance or improvement of left ventricular (LV) function plays an essential role. Myocardial Work (MW) has brought new perspectives to cardiovascular evaluation in athletes, due to lower postload dependence (aortic pressure), compared to traditional echocardiographic parameters such as global longitudinal strain (GLS). However, information about MW in soccer players is scarce. Purpose: To analyze LV function in sub-elite professional football players through MW method. Methods: This cross-sectional study included 101 men, aged between 18 and 35 years, whom 78 are professional athletes, competing at the sub-elite level (PA) (=10 hours of weekly training), and 23 recreational athletes (RA) (=3 hours weekly). All participants underwent a cardiovascular assessment, which consisted of: echocardiographic examination to analyze structural parameters and LV function; central hemodynamic evaluation, including blood pressure (BP), pulse wave velocity (PWV), and augmentation index (AIx). Additionally, 30 athletes (20 PA and 10 RA) performed a treadmill exercise test to assess cardiopulmonary capacity. MW indices were obtained through specific software, based on pressure-strain loops constructed from non-invasive LV pressure curves, estimated by systolic blood pressure (SBP) combined with strain (GLS). Results: The data demonstrated that LV structure was similar between the groups, although PA showed greater dilation (End-Diastolic Diameter – EDD, p = 0.000 and End-Diastolic Volume – EDV, p = 0.054). The traditional echocardiographic parameters were similar between groups, indicating normal systolic function. A significant difference was observed only in mitral flow in the septal region (septal e’), which was lower in PA (p = 0.000), although the values remained within the normal range. Diastolic blood pressure (DBP), mean arterial pressure (MAP), and AIx were lower in PA (p = 0.006, p = 0.011, and p = 0.030, respectively). For the MW indices, the global work index (GWI) was lower in PA (p = 0.005). Global constructive work (GCW), global wasted work (GWW), and global work efficiency (GWE) did not differ between the groups. In the exercise test, PA showed higher oxygen consumption at the first ventilatory threshold (VO2L1 – p = 0.015) and greater speed (Vpico and VL1, p = 0.000 and p = 0.000, respectively) compared to RA. Conclusion: The results indicate normal LV function, as evidenced by the maintenance of GWE and traditional echocardiographic parameters. The reduction in GWI appears to be related to cardiovascular adaptations associated with the athlete’s heart, without impacting aerobic capacity or athletic performance. MW at rest may not be associated with improved exercise capacity in professional football players.