"Não tem mais volta" : um estudo heterológico sobre os corpos e as resistências de estudantes em situação de deslocamento na Universidade Federal do Espírito Santo

Abstract

RESUMO: Nesta tese, inspirada nos estudos de Michel de Certeau, tenho como objetivo desvelar como os corpos ordinários de estudantes em situação de deslocamento ingressantes na Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) reconstroem, ressignificam e subvertem o cotidiano e o espaço universitário, a partir de suas interações e apropriações dos espaços. Parto da ideia de que esses estudantes, por meio de seus corpos ordinários, subvertem as normas espaciais instituídas. Para isso, busquei suporte principalmente nos estudos de Certeau (1986; 2002; 2014) sobre o cotidiano, o corpo e a heterologia. Metodologicamente, iniciei a pesquisa com uma etnografia, complementada por uma operação historiográfica e, finalmente, me ancorei no que Certeau (1986) entende por heterologia. Certeau (1986; 2017) considera a história um discurso do Outro - uma heterologia - dotada de uma alteridade peculiar, pois lida com um ausente, sendo que para o pesquisador resta apenas a busca pelos rastros e vestígios desse Outro. Desta forma, nesta pesquisa, acompanhei cinco estudantes em situação de deslocamento em seu dia a dia na universidade, buscando os rastros desse Outro, sem tentar categorizá-los, mas aproximando-me deles e permitindo que das narrativas emergisse uma alteridade alterante. Os resultados se organizam em torno de diferentes cenas do cotidiano. Pude observar os desafios diários enfrentados por esses estudantes e como suas vivências extrapolam os limites da sala de aula, atravessando espaços como a cantina do Onofre e os mercados informais dentro da Universidade. Pude observar o "bairro" universidade como um espaço dinâmico e multifacetado, onde as paisagens sonoras, marcadas pelo uso da língua materna por esses estudantes, criam novos sentidos de pertencimento. No centro desta investigação está o corpo desses estudantes, que se revela como um corpo ordinário, político e sensível. Um corpo que resiste, ao permanecer na Universidade, que se expressa em meio a sorrisos e principalmente nas lágrimas, ao se depararem com o racismo, o etarismo, a xenofobia e os mais diversos tipos de preconceito. Esses corpos, atravessados por afetos como a saudade, encontram nela forças para resistir e seguir adiante. Assim, com esta pesquisa, busco contribuir para o aprofundamento dos estudos certeaunianos, destacando a importância do corpo como uma fronteira sensível de encontros e resistências. Ao propor uma perspectiva que transcende o olhar cartesiano nos Estudos Organizacionais, reforço a necessidade de compreender o corpo não apenas como objeto de análise, mas como um agente ativo na produção de novos significados e formas de existência no espaço acadêmico.

ABSTRACT: In this thesis, inspired by the studies of Michel de Certeau, I aim to unveil how the ordinary bodies of students in situations of displacement who have recently entered the Federal University of Espírito Santo (UFES) reconstruct, re-signify, and subvert daily life and the university space through their interactions and appropriations of space. I begin with the idea that these students, through their ordinary bodies, subvert the established spatial norms. To support this analysis, I primarily draw on Certeau's studies (1986; 2002; 2014) on everyday life, the body, and heterology.Methodologically, I initiated the research with an ethnographic approach, complemented by a historiographical operation, and finally anchored my analysis in what Certeau (1986) defines as heterology. Certeau (1986; 2017) considers history to be a discourse of the Other-a heterology-characterized by a peculiar alterity, as it deals with an absent subject, leaving the researcher with only the traces and vestiges of this Other. Thus, in this study, I followed five displaced students in their daily lives at the university, seeking the traces of this Other, not to categorize them, but to approach them closely and allow an altering alterity to emerge from their narratives.The findings are structured around different everyday scenes. I observed the daily challenges these students face and how their experiences extend beyond the classroom, shaping spaces such as Onofre's cafeteria and the informal markets within the university. I examined the "neighborhood" of the university as a dynamic and multifaceted space, where soundscapes-marked by the use of their native language-create new senses of belonging.At the core of this investigation is the body of these students, revealed as an ordinary, political, and sensitive body. A body that resists by remaining in the university, that expresses itself through smiles but, above all, through tears when confronted with racism, ageism, xenophobia, and various forms of prejudice. These bodies, permeated by emotions such as longing, find in them the strength to resist and move forward.With this research, I seek to contribute to the deepening of Certeau's studies by highlighting the importance of the body as a sensitive frontier of encounters and resistance. By proposing a perspective that transcends the Cartesian gaze in Organizational Studies, I reinforce the necessity of understanding the body not merely as an object of analysis but as an active agent in the production of new meanings and forms of existence in academic spaces.