O profissional da psicologia do trabalho em foco : uma análise da atuação de psicólogos no processo de recrutamento e seleção de pessoal

Abstract

RESUMO: O contexto do trabalho constitui um vasto campo de investigação e intervenção para a Psicologia. Diversos fatores e eventos históricos configuraram a prática do Psicólogo nas organizações, com destaque para a Revolução Industrial e a subsequente disseminação dos princípios de produção capitalista. Não obstante as transformações ocorridas ao longo do tempo, o papel do Psicólogo nas organizações parece permanecer enraizado em paradigmas produtivistas. A área de recrutamento e seleção de pessoal, em particular, demanda conhecimentos e práticas que, embora adaptados a novas formas, ferramentas e contornos, continuam a ser executados sob essa lógica. Este estudo baseou-se em entrevistas com oito psicólogos atuantes na área de Recursos Humanos, com experiência superior a dois anos em recrutamento e seleção de pessoal. O objetivo foi compreender as vivências de prazer e sofrimento desses profissionais, à luz da Psicodinâmica do Trabalho. Foram utilizados conceitos referenciais como reconhecimento, organização, condições de trabalho e a dinâmica prazer x sofrimento, elementares para a compreensão em saúde mental. A análise dos discursos dos participantes permitiu acompanhar as mudanças históricas, identificar vivências comuns entre os entrevistados e mecanismos e estratégias psíquicas utilizadas diante sofrimento impostos pelo trabalho, bem como as formas pelas quais os profissionais buscam satisfação na atividade de recrutamento e seleção. Também foi possível estar diante das expectativas que os profissionais possuem para o futuro da atuação em Psicologia e seus próprios direcionamentos de carreira. Os resultados foram organizados em seis eixos de análise: escolha profissional, trabalho prescrito versus trabalho real, invisibilidade e reconhecimento, instrumentos e ferramentas, saúde mental e perspectivas futuras para a profissão. Constatou-se que a prática de recrutamento e seleção envolve desafios significativos, tais como alto volume de vagas, desvalorização da área, culpabilização por erros, excesso de atividades burocráticas e a necessidade de corresponder às expectativas organizacionais, alinhadas à lógica capitalista de desempenho e resultados. Dentro da ambivalência discutida pela psicodinâmica do trabalho, foi possível entender que a atuação profissional proporciona prazer e satisfação aos psicólogos que se sentem reconhecidos e veem seu trabalho contribuindo eticamente para a profissão. Conclui-se que, apesar dos avanços, é necessário intensificar o compromisso da Psicologia no contexto do trabalho e trazer luz a novas perspectivas sobre o papel deste profissional, movimento que precisa iniciar pela formação para que novos impactos sejam percebidos na atuação prática do Psicólogo. Além disso, reforça-se a necessidade de a Psicologia estar comprometida com o bem-estar do trabalhador, transitando nas diversas camadas organizacionais a fim de compreender o real do trabalho, as transformações sociais, políticas e econômicas que provocam mudanças nas configurações do trabalho atual e no futuro do trabalho, suscitando novas demandas a estes profissionais, que necessita, distanciar-se do viés e tradições tecnicistas que são, constantemente, reforçadas pelas práticas organizacionais. Para tanto, o resgate do compromisso da Psicologia do Trabalho é crucial para a superação da prática esvaziada de sentido, que encontra no movimento da própria categoria esperança para práticas atreladas ao saber e fazer comprometida com a teoria e práxis do Psicólogo.

ABSTRACT: The work context constitutes a vast field of research and intervention for Psychology. Various factors and historical events have shaped the practice of psychologists in organizations, with particular emphasis on the Industrial Revolution and the subsequent dissemination of capitalist production principles. Despite the transformations over time, the role of psychologists in organizations seems to remain rooted in productivity paradigms. The area of recruitment and personnel selection, in particular, requires knowledge and practices that, although adapted to new forms, tools, and contexts, continue to operate under this logic. This study is based on interviews with eight psychologists working in Human Resources, with over two years of experience in recruitment and personnel selection. The objective was to understand the experiences of pleasure and suffering of these professionals in light of Work Psychodynamics. Key concepts such as recognition, organization, working conditions, and the pleasure versus suffering dynamic were used as reference points to understand mental health. The analysis of participants' narratives allowed for tracking historical changes, identifying common experiences among the interviewees, and exploring the psychological mechanisms and strategies used to cope with work-related suffering, as well as the ways professionals seek satisfaction in recruitment and selection activities. It also provided insights into the expectations these professionals have for the future of their field and their career paths. The results were organized into six main themes: professional choice, prescribed work versus real work, invisibility and recognition, tools and instruments, mental health, and future perspectives for the profession. The findings revealed that recruitment and selection practices involve significant challenges, such as a high volume of vacancies, devaluation of the area, blame for errors, excessive bureaucratic tasks, and the need to meet organizational expectations, aligned with the capitalist logic of performance and results. Within the ambivalence discussed by Work Psychodynamics, it became clear that professional practice provides pleasure and satisfaction for psychologists who feel recognized and see their work contributing ethically to the profession. The study concludes that, despite advancements, there is a need to strengthen Psychology's commitment within the work context and to shed light on new perspectives regarding the role of psychologists. This shift must begin with training so that its impact can be seen in practical professional activity. Moreover, the study emphasizes the need for Psychology to be committed to workers' well-being, navigating the various organizational layers to understand the reality of work, as well as the social, political, and economic transformations that are altering current and future work configurations, thus raising new demands for these professionals. It is essential to move away from the technicist bias and traditions that are constantly reinforced by organizational practices. In this regard, the renewed commitment of Work Psychology is crucial to overcoming the practice emptied of meaning, and the field itself offers hope for practices that are connected to knowledge and action, committed to the theory and praxis of the psychologist.