Sangue maldito : sobre psicanálise e menstruação

Abstract

RESUMO: Nesta pesquisa, partimos de uma perspectiva psicanalítica para analisar as concepções, tabus e toda uma fantasmática em torno da menstruação. Para isso, recorremos à leitura de mitos dentro da filosofia das religiões, crenças populares, e entrevistamos mulheres entre 20 e 50 anos, a fim de realizar uma escuta da sua experiência menstrual. A proposta do trabalho, em suma, parte de uma interrogação sobre o tabu da menstruação e as elaborações subjetivas e culturais que operam para que seja, ao longo dos tempos, considerada maldita. Com um extensivo processo de maledicência e desqualificação da mulher e do feminino ao longo da história, compreendemos que a menstruação está intimamente atrelada a este fato, pois com frequência é descrita na literatura como uma das causas da inferioridade feminina na cultura, o que invisibiliza a temática, até mesmo tornando escassa a literatura sobre o tema. Justamente considerando o baixo volume de trabalhos acerca da menstruação, é que nos voltamos para as contribuições de outras áreas de conhecimento; mas também procuramos nos guiar pelos poucos trabalhos psicanalíticos que tem a menstruação como foco. Destacamos as elaborações de Shainess (2011), Donmall (2013) e Hatch (2020), que pensam a temática como ponto nodal para compreender o psiquismo feminino, e propõem maior ênfase teórica acerca de seus desdobramentos subjetivos. As entrevistas foram analisadas a partir da proposta de Ramos (1994), sobre a escuta possível em entrevistas a partir de uma pergunta disparadora de associações, bem como a análise das particularidades e generalidades das entrevistas. Em relação a este último aspecto, precisamente identificamos, entre outros pontos, a significativa dificuldade em conseguir participantes, pois muitas desistiram e, ainda, a dificuldade de falar sobre o tema. Em relação à escuta a partir das entrevistas, podemos comparar a um verdadeiro desemaranhar de fios - como descrito por uma das participantes, falar da menstruação era similar a um vespeiro de difícil acesso -, o que deu lugar como resultado da nossa análise, à formulação dos seguintes temas: Existe um Deus qualquer nas minhas entranhas; Por que Deus está me fazendo sangrar?; Você vai me entender melhor agora que menstruou; e Cuidado, agora você virou mocinha.

ABSTRACT: This research approach is based on a psychoanalytic perspective to analyze the conceptions, taboos and fantasies surrounding menstruation. To do so, we resorted to reading myths within the philosophy of religions and popular beliefs, and interviewed women between the ages of 20 and 50 in order to listen to their menstrual experience. In short, the aim of the work is to question the taboo of menstruation and the subjective and cultural elaborations that have led to it being considered cursed throughout the ages. With an extensive process of malediction and disqualification of women and the feminine over the course of history, we believe that menstruation is closely linked to this fact, being often described in the literature as one of the causes of female inferiority in culture, which makes the subject invisible, even making the amount of studies on the subject scarce. Precisely because of the low volume of work on menstruation, we turned to contributions from other fields of knowledge, although we were also guided by psychoanalytic work that focuses on menstruation. We can highlight the work of Shainess (2011), Donmall (2013) and Hatch (2020), who regard the subject as a pivotal point for understanding the female psyche, and propose a greater theoretical emphasis on its subjective consequences. The interviews were analyzed based on Ramos' (1994) approach to interviews where listening is possible based on a question that triggers associations, as well as an analysis of the particularities and generalities of the interviews. On the latter point, we identified, among other things, the significant difficulty in getting participants, as many gave up, and also the difficulty of talking about the subject. As for listening to the interviews, we can compare it to a real unraveling of threads - as one of the participants described it, talking about menstruation was similar to a hornet's nest that was difficult to access - which led to the formulation of the following themes as a result of our analysis: There's some kind of God in my guts; Why is God making me bleed?; You'll understand me better now that you have your period; and Beware, now you've become a missy.