Em busca dos paraísos artificiais, Baudelaire desce ao inferno : o haxixe, o ópio e a degradação da moral e da vontade criativa

Abstract

RESUMO: Avessa às convenções acadêmicas que mediante à força do hábito associam Charles Baudelaire ao uso do haxixe e do ópio como recursos para a inspiração poética necessária ao exercício de suas obras, a presente tese tem por objetivo investigar a concepção estético-moral do poeta sobre as drogas de seu tempo, buscando demonstrar como o haxixe e o ópio, psicoativos apreciados no meio literário parisiense do século XIX, configuram-se como ilegítimos meios de evasão da realidade infernal que se apresentara e, ao contrário das especulações, são substâncias que atentam contra a vontade necessária à criação poética. A investigação apoia-se na crítica à modernidade, mobilizando os conceitos de empobrecimento da experiência e teoria do choque, assim como suas ressonâncias na obra de Baudelaire, conforme interpretados por Walter Benjamin, para contextualizar o apelo aos psicoativos na Paris oitocentista. A intensificação dos estímulos visuais e sonoros diretamente relacionada à modernização urbana, tecnológica e econômica produz, nesse período, uma cisão entre vivência e consciência, que sobrecarrega o sistema nervoso dos indivíduos, incapacitando-os de se conectarem criativamente com o mundo, coadunando, assim, uma crise da percepção. É nesse panorama de colapso do sistema sensorial que se insere a proliferação do uso de substâncias como o haxixe e o ópio, não somente como promessas de acesso a uma realidade paradisíaca, mas também como mecanismos de anestesia dos sentidos e tentativas de restaurar artificialmente, o que o mundo moderno já teria tornado inexequível. Ao percorrer essas sendas, o estudo proposto investiga a relação entre a noção baudelairiana de artificial e a experiência psicodélica, analisando, de um ponto de vista ontológico e epistêmico, as representações que os psicoativos em questão produzem, com a finalidade de averiguar a que realidade embriagados de haxixe e comedores de ópio acessam. Seguindo a concepção baudelairiana, a tese analisa os efeitos morais e físicos que o haxixe e o ópio provocam em seus usuários, desnudando suas consequências destrutivas à intelectualidade e à vontade humana. Ao tentarem restaurar uma sensibilidade perdida e acessar a paraísos, por intermédio dos paliativos artificiais, os sujeitos modernos agravam ainda mais a deterioração perceptiva que os aflige. Frente a essa degradação da sensibilidade, a poesia alegórica baudelairiana se mostra como um esforço de elaboração estética do choque e da experiência empobrecida, ainda que sob a forma de ruína. Nesse exercício, o poeta se assemelha à figura do alquimista, que, pelo trabalho e pelo esforço da vontade, opera uma transmutação dos detritos do inferno urbano em imagens poéticas de paraísos possíveis. Para realizar os objetivos propostos, desenvolve-se uma análise interpretativa de Paraísos artificiais (2011), Meu coração desnudado (1981) e Correspondance (1973), bem como de alguns dos poemas em verso e em prosa de Baudelaire encontrados em As flores do mal (2019) e O spleen de Paris: pequenos poemas em prosa (2016, 2020). Além disso, esta tese tem por base teórica os escritos de Benjamin (2009, 2024), Bresciani (1992), Buck-Morss (1996), Eliade (1979), Harvey (2015), Bergeron (2012), Milner (2000), Paz (1982), Waddell (2021) entre outros/as

ABSTRACT: Averse to the academic conventions that, through force of habit, associate Charles Baudelaire with the use of hashish and opium as resources for the poetic inspiration necessary for his works, this thesis aims to investigate the poet's aesthetic-moral conception of the drugs of his time, seeking to demonstrate how hashish and opium, psychoactive substances appreciated in the Parisian literary milieu of the 19th century, are illegitimate means of escape from the hellish reality that had presented itself and, contrary to speculation, are substances that attack the will necessary for poetic creation. The research is based on the critique of modernity, mobilizing the concepts of impoverishment of experience and shock theory, as well as their resonances in the work of Baudelaire, as interpreted by Walter Benjamin, to contextualize the appeal to psychoactive drugs in 19th century Paris. The intensification of visual and sound stimuli directly related to urban, technological and economic modernization produced, in this period, a split between experience and consciousness, which overloaded the nervous system of individuals, preventing them from connecting creatively with the world, thus leading to a crisis of perception. It is against this backdrop of the collapse of the sensory system that the use of substances such as hashish and opium has proliferated, not only as promises of access to a paradisiacal reality, but also as mechanisms for anesthetizing the senses and attempts to artificially restore what the modern world has already made unfeasible. By following these paths, the proposed study investigates the relationship between the Baudelairian notion of the artificial and the psychedelic experience, analyzing, from an ontological and epistemic point of view, the representations that the psychoactive drugs in question produce, with the aim of ascertaining which reality is accessed by hashish inebriates and opium eaters. Following the Baudelairian conception, the thesis analyzes the moral and physical effects that hashish and opium have on their users, revealing their destructive consequences for human intellect and will. By trying to restore a lost sensibility and access paradises through artificial palliatives, modern subjects further aggravate the perceptual deterioration that afflicts them. Faced with this degradation of sensibility, Baudelairian allegorical poetry shows itself as an effort to aesthetically elaborate the shock and impoverished experience, albeit in the form of ruin. In this exercise, the poet resembles the figure of the alchemist who, through work and the effort of will, transmutes the detritus of urban hell into poetic images of possible paradises. In order to achieve the proposed objectives, an interpretative analysis is carried out of Paraísos artificiais (2011), Meu coração desnudado (1981) and Correspondance (1973), as well as some of Baudelaire's verse and prose poems found in As flores do mal (2019) and O spleen de Paris: pequenos poemas em prosa (2016, 2020). In addition, this thesis is theoretically based on the writings of Benjamin (2009, 2024), Bresciani (1992), Buck-Morss (1996), Eliade (1979), Harvey (2015), Bergeron (2012), Milner (2000), Paz (1982), Waddell (2021) and others